“MEU SENHOR DE QUÊ”: TRAVESTIMENTOS DA VOZ NA POESIA DE ANA LUÍSA AMARAL

“Toda a obra de arte é a justificação de si própria” — escreviam os editores de Orpheu, em 1915, para explicar a inclusão de oito sonetos assinados por uma mulher no segundo número da revista dirigida por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Na nota apensa aos poemas, que termina com a frase acima citada, a Redação da revista declarava desconhecer a identidade de quem escrevera esses sonetos e justificava a sua publicação por considerá-los poemas “dignos, importando-nos pouco a personalidade vital de que possam emanar” (ORPHEU, 1979, p, 58). Claro que esta “mulher” era, na realidade, um homem, o escritor Armando Côrtes-Rodrigues, que, por sugestão de Fernando Pessoa, se travestira de Violante de Cysneiros para escrever poemas usando uma voz “feminina”. Sobre o fascínio dos primeiros modernistas pela “suspensão [...] da identidade (também sexual) do autor”, lado a lado com uma obsessão pela androginia e pelo “sexo feminino dentro de si” já escreveram Maria Irene Ramalho e Ana Luísa Amaral (SANTOS; AMARAL, 1997, p. 5-6). E sobre a importância desta “(não-) participação feminina no momento mais revolucionário do Primeiro Modernismo Português” refletiu também Anna Klobucka, demonstrando como, neste caso, “o recurso à máscara feminina conduz à consciencialização das potencialidades de uma escrita sexuada”, embora, ao mesmo tempo, suprima a figura das mulheres como artistas e intelectuais autónomas, já que Violante de Cysneiros corresponde a uma imagem estereotipada de mulher e de poetisa e, sobretudo, é uma “mulher [e uma poetisa] que nunca foi” (KLOBUCKA, 1990, p. 104, 111). (excerpt)

 

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